(IME - 2018/2019 - 2ª FASE )
Texto 1
BECOS DE GOIÁS
| 1 | Beco da minha terra... |
| Amo tua paisagem triste, ausente e suja. | |
| Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa. | |
| Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio. | |
| 5 | E a réstia de sol que ao meio-dia desce, fugidia, |
| e semeia polmes dourados no teu lixo pobre, | |
| calçando de ouro a sandália velha, | |
| jogada no teu monturo. | |
| Amo a prantina silenciosa do teu fio de água, | |
| 10 | descendo de quintais escusos |
| sem pressa, | |
| e se sumindo depressa na brecha de um velho cano. | |
| Amo a avenca delicada que renasce | |
| na frincha de teus muros empenados, | |
| 15 | e a plantinha desvalida, de caule mole |
| que se defende, viceja e floresce | |
| no agasalho de tua sombra úmida e calada. | |
| Amo esses burros-de-lenha | |
| que passam pelos becos antigos. Burrinhos dos morros, | |
| 20 | secos, lanzudos, malzelados, cansados, pisados. |
| Arrochados na sua carga, sabidos, procurando a sombra, | |
| no range-range das cangalhas. | |
| E aquele menino, lenheiro ele, salvo seja. | |
| Sem infância, sem idade. | |
| 25 | Franzino, maltrapilho, |
| pequeno para ser homem, | |
| forte para ser criança. | |
| Ser indefeso, indefinido, que só se vê na minha cidade. | |
| Amo e canto com ternura | |
| 30 | todo o errado da minha terra. |
| Becos da minha terra, | |
| discriminados e humildes, | |
| lembrando passadas eras... | |
| Beco do Cisco. | |
| 35 | Beco do Cotovelo. |
| Beco do Antônio Gomes. | |
| Beco das Taquaras. | |
| Beco do Seminário. | |
| Bequinho da Escola. | |
| 40 | Beco do Ouro Fino. |
| Beco da Cachoeira Grande. | |
| Beco da Calabrote. | |
| Beco do Mingu. | |
| Beco da Vila Rica... | |
| 45 | Conto a estória dos becos, |
| dos becos da minha terra, | |
| suspeitos... mal afamados | |
| onde família de conceito não passava. | |
| “Lugar de gentinha” - diziam, virando a cara. | |
| 50 | De gente do pote d’água. |
| De gente de pé no chão. | |
| Becos de mulher perdida. | |
| Becos de mulheres da vida. | |
| Renegadas, confinadas | |
| 55 | na sombra triste do beco. |
| Quarto de porta e janela. | |
| Prostituta anemiada, | |
| solitária, hética, engalicada, | |
| tossindo, escarrando sangue | |
| 60 | na umidade suja do beco. |
| Becos mal assombrados. | |
| Becos de assombração... | |
| Altas horas, mortas horas... | |
| Capitão-mor - alma penada, | |
| 65 | terror dos soldados, castigado nas armas. |
| Capitão-mor, alma penada, | |
| num cavalo ferrado, | |
| chispando fogo, | |
| descendo e subindo o beco, | |
| 70 | comandando o quadrado - feixe de varas... |
| Arrastando espada, tinindo esporas... | |
| Mulher-dama. Mulheres da vida, | |
| perdidas, | |
| começavam em boas casas, depois, | |
| 75 | baixavam pra o beco. |
| Queriam alegria. Faziam bailaricos. | |
| - Baile Sifilítico - era ele assim chamado. | |
| O delegado-chefe de Polícia - brabeza - | |
| dava em cima... | |
| 80 | Mandava sem dó, na peia. |
| No dia seguinte, coitadas, | |
| cabeça raspada a navalha, | |
| obrigadas a capinar o Largo do Chafariz, | |
| na frente da Cadeia. | |
| 85 | Becos da minha terra... |
| Becos de assombração. | |
| Românticos, pecaminosos... | |
| Têm poesia e têm drama. | |
| O drama da mulher da vida, antiga, | |
| 90 | humilhada, malsinada. |
| Meretriz venérea, | |
| desprezada, mesentérica, exangue. | |
| Cabeça raspada a navalha, | |
| castigada a palmatória, | |
| 95 | capinando o largo, |
| chorando. Golfando sangue. | |
| (ÚLTIMO ATO) | |
| Um irmão vicentino comparece. | |
| Traz uma entrada grátis do São Pedro de Alcântara. | |
| 100 | Uma passagem de terceira no grande coletivo de São Vicente. |
| Uma estação permanente de repouso - no aprazível São Miguel. | |
|
Cai o pano. |
CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 21a ed. - São Paulo: Global Editora, 2006.
Texto 2
O ELEFANTE
| 1 | Fabrico um elefante |
| de meus poucos recursos. | |
| Um tanto de madeira | |
| tirado a velhos móveis | |
| 5 | talvez lhe dê apoio. |
| E o encho de algodão, | |
| de paina, de doçura. | |
| A cola vai fixar | |
| suas orelhas pensas. | |
| 10 | A tromba se enovela, |
| é a parte mais feliz | |
| de sua arquitetura. | |
| Mas há também as presas, | |
| dessa matéria pura | |
| 15 | que não sei figurar. |
| Tão alva essa riqueza | |
| a espojar-se nos circos | |
| sem perda ou corrupção. | |
| E há por fim os olhos, | |
| 20 | onde se deposita |
| a parte do elefante | |
| mais fluida e permanente, | |
| alheia a toda fraude. | |
| Eis o meu pobre elefante | |
| 25 | pronto para sair |
| à procura de amigos | |
| num mundo enfastiado | |
| que já não crê em bichos | |
| e duvida das coisas. | |
| 30 | Ei-lo, massa imponente |
| e frágil, que se abana | |
| e move lentamente | |
| a pele costurada | |
| onde há flores de pano | |
| 35 | e nuvens, alusões |
| a um mundo mais poético | |
| onde o amor reagrupa | |
| as formas naturais. | |
| Vai o meu elefante | |
| 40 | pela rua povoada, |
| mas não o querem ver | |
| nem mesmo para rir | |
| da cauda que ameaça | |
| deixá-lo ir sozinho. | |
| 45 | É todo graça, embora |
| as pernas não ajudem | |
| e seu ventre balofo | |
| se arrisque a desabar | |
| ao mais leve empurrão. | |
| 50 | Mostra com elegância |
| sua mínima vida, | |
| e não há cidade | |
| alma que se disponha | |
| a recolher em si | |
| 55 | desse corpo sensível |
| a fugitiva imagem, | |
| o passo desastrado | |
| mas faminto e tocante. | |
| Mas faminto de seres | |
| 60 | e situações patéticas, |
| de encontros ao luar | |
| no mais profundo oceano, | |
| sob a raiz das árvores | |
| ou no seio das conchas, | |
| 65 | de luzes que não cegam |
| e brilham através | |
| dos troncos mais espessos. | |
| Esse passo que vai | |
| sem esmagar as plantas | |
| 70 | no campo de batalha, |
| à procura de sítios, | |
| segredos, episódios | |
| não contados em livro, | |
| de que apenas o vento, | |
| 75 | as folhas, a formiga |
| reconhecem o talhe, | |
| mas que os homens ignoram, | |
| pois só ousam mostrar-se | |
| sob a paz das cortinas | |
| 80 | à pálpebra cerrada. |
| E já tarde da noite | |
| volta meu elefante, | |
| mas volta fatigado, | |
| as patas vacilantes | |
| 85 | se desmancham no pó. |
| Ele não encontrou | |
| o de que carecia, | |
| o de que carecemos, | |
| eu e meu elefante, | |
| 90 | em que amo disfarçar-me. |
| Exausto de pesquisa, | |
| caiu-lhe o vasto engenho | |
| como simples papel. | |
| A cola se dissolve | |
| 95 | e todo o seu conteúdo |
| de perdão, de carícia, | |
| de pluma, de algodão, | |
| jorra sobre o tapete, | |
| qual mito desmontado. | |
| 100 |
Amanhã recomeço. |
ANDRADE, Carlos Drummond de. O Elefante. 9ª ed. - São Paulo: Editora Record, 1983.
A respeito do “conceito de erro em língua”, o gramático Luiz Antônio Sacconi, em sua obra “Nossa Gramática – Teoria e Prática”, afirma:
“Em rigor, ninguém comete erro em língua, exceto nos casos de ortografia. O que se comete são transgressões da norma culta. De fato, aquele que, num momento íntimo do discurso, diz: “Ninguém deixou ele falar”, não comete propriamente erro; na verdade, transgride a norma culta. (...) Vale lembrar, finalmente, que a língua é um costume. Como tal, qualquer transgressão, ou chamado erro, deixa de sê-lo no exato instante em que a maioria absoluta o comete, passando, assim, a constituir fato linguístico (registro de linguagem definitivamente consagrado pelo uso, ainda que não tenha amparo gramatical).”
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática – Teoria e Prática – 18a ed. Reformada e atual. São Paulo: Atual, 1994. pp. 8 e 9.
Considerando o conceito de “erro em língua”, exposto acima, assinale a alternativa em que se apresenta uma transgressão da norma culta considerada “fato linguístico”?
Eu não sei aonde o elefante quer chegar.
Ana Lins Bretas, cujo pseudônimo era Cora Coralina, foi uma grande escritora brasileira.
“E há por fim os olhos, / onde se deposita / a parte do elefante” (texto 2, versos 19 a 21).
“Ele não encontrou / o de que carecia, / o de que carecemos,” (texto 2, versos 86 a 88).
É uma das poucas opiniões do poeta onde existe uma controvérsia.
Gabarito:
É uma das poucas opiniões do poeta onde existe uma controvérsia.
[E]
Considerando o conceito de “erro em língua”, de Luiz Antônio Saconni, a alternativa E apresenta uma transgressão da norma culta considerada “fato linguístico”. O pronome relativo “onde”, presente na oração, só deve ser usado — segundo os princípios da norma culta — quando seu referente é um lugar (não é o caso de "opiniões"). Esse tipo de transgressão, entretanto, é um “registro de linguagem definitivamente consagrado pelo uso, ainda que não tenha amparo gramatical”.
Nas demais afirmativas (a, b, c, d), não existe desvio com relação às normas gramaticais.
(IME 2007)
O gráfico acima apresenta a velocidade de um objeto em função do tempo. A aceleração média do objeto no intervalo de tempo de 0 a 4t é:
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